Ana Maria tinha medo.
Parecia que ela já sabia tudo o que poderia acontecer quando ela dissesse que não queria mais. Por isso ela tinha tanto medo.
Um dia após uma das tantas crises de ciumes ela decretou o fim.
Ela tinha muito medo. Sim, ela tinha muito medo de dizer: "Eu não quero mais".
Foi fácil? Não. Não foi.
Ela tomou chá, cápsulas, injeção de coragem.
Ela viu que a coragem existe onde também existe o medo.
No primeiro momento foi um balde de uma água fria, embora os últimos meses daquele bonito casal já mostrava que não dava mais pra ser felizes juntos.
O primeiro fim de semana foi meio vazio (para Ana Maria), mas com uma certeza que o tempo do vazio passaria e depois chegariam outras pessoas, outras oportunidades.
Ana Maria respirava melhor, conseguia sentir o cheiro, o sabor, o toque da liberdade. Aquela liberdade que todo ser humano deseja: de poder se encontrar com as amigas para um cinema, para um café depois do serviço, de poder conversar com qualquer outra pessoa do sexo oposto sem ficar pensando que está sendo vigiada, fazer um curso, praticar um hobby.
Passou um mês. Ana Maria e o rapaz estavam solteiros.
Sim... é comum que pessoas namorem e separem. É bom que um não deva viver ao lado do outro infeliz, mesmo não gostando mais, como se gostava no início. Ana Maria agradece por ter nascido nessa época onde se pode namorar 4, 5 ou 6 anos e dizer que não quer mais. Na época da avó, por exemplo, tinha que permanecer casada, pra sempre. Mesmo infeliz.
O rapaz, o pobre rapaz, não entendia que havia acabado o relacionamento. Foi uma época em que viveram um para o outro, se amaram. Mas acabou. Isso ele não conseguia entender.
Ele procurava Ana Maria na faculdade. Na serviço. Na casa dela.
Dizia que ela devia ser feliz com ele. Só com ele. Se não fosse com ele... não seria com nenhum outro.
A preocupação começou tomar conta dos dias de Ana Maria. Ela não queria mais vê-lo, mas mesmo assim ele ia onde ela estava.
Mudou um pouco sua rotina. Saia mais cedo da aula, passava por outro caminho para chegar no serviço. Pouco adiantou!
O rapaz usava outros meios para dizer o que sentia e pensava. Por meio de mensagens de celular e e-mails dizia que se mataria, também Ana Maria . A família dela não acreditava que isso estava acontecendo pois, até então, o rapaz era um homem controlado, adulto. Porém, agora observavam seu comportamento desorientado.
Ana Maria pensou o que seria pior: continuar infeliz num relacionamento ou suportar as ameaças.
Continuou com coragem.
A coragem agora dizia que ela deveria procurar a delegacia das mulheres. Mas, antes de chegar lá precisava de um boletim de ocorrência, feito em um posto policial.
E vocês pensam que foi fácil?
Ana Maria descobriu, da pior forma, como a mulher é tratada como uma qualquer quando chega num posto policial para reclamar de seu companheiro, ou de seu ex companheiro.
Todo respeito aos policiais! Mas a maioria dos homens fardados que Ana Maria encontrou achava que era mais uma dessas histórias de namorinhos... que amanhã iriam voltar. Passaram-se dias, e nada de conseguir um B. O.
Ana Maria também entendeu o motivo pelo qual tantas mulheres desistem das denúncias. As mulheres não são escutadas. Parece que a culpa é delas mesmo.
Um sentimento horrível habitava o coração de Ana Maria naqueles dias. Uma vontade de se entregar, se entregar para morrer. Pois a liberdade, a leveza ao respirar... tudo isso andava longe.
Ana Maria começou a procurar a polícia acompanhada de um homem que conhecia toda sua história com o rapaz. Às vezes Ana Maria explicava a história, outras vezes o homem que a acompanhava.
Enfim, conseguiram o B.O. que ela apresentaria na Delegacia das Mulheres.
Ah... Delegacia das Mulheres. Que lugar triste, que histórias de amargura.
Depois de alguns meses, de muitas lágrimas, humilhações, traumas, Ana Maria parou de receber ligações e ser perseguida.
Bem Aventurada Maria da Penha!